segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Saudosismo.

 


Sentimento que tem invadido os dias, a alma. Causa desassossego. O sentido de que tenho o que me basta esvai. Revivo as gavetas da memória e encontro alívio. O corpo e a alma se acalmam.

Sinto a mão tocando na minha, a respiração ofegante e a certeza de que poderia chegar lá apenas com este toque. O primeiro toque. Inesquecível.

Abro mais gavetas, procuro pastas, tento significar entretanto as imagens estão puídas. Há quanto foi? Por vezes parece-me ontem, mês passado, um ano talvez. Não sei mais. Perdi-me nesse meio de tempo. 

Recordo de uma frase jogada: "gosto de ter histórias para contar, depois".

Ainda sou uma história ou estou trancada numa gaveta a qual jogou fora a chave, pois não era aceitável?

Não recordo com precisão como nos encontramos nessa vida. Tento nas pastas mais puídas encontrar alguma resposta em vão.

Não me importa, tampouco.

Não me basta o que tenho. Como não me bastaria você se porventura não restasse apenas como uma longínqua recordação.

Olho a mesa de trabalho a minha frente e aqui na realidade, na vida palpável, buscava histórias para contar, assim como você.

E sinto falta da construção, da trama, do enredo, dos ensaios varando a madrugada...

Falta de como eu era com você. 

Passiva, paciente, obediente.

A personagem que construí para que me encaixasse nas suas histórias.

Sendo franca comigo, a personagem que deixei você construir e então como atriz de quinta, tentava entregar bem meu papel.

Aqui fora, na realidade, rio.

Tudo foi previsível e ridículo.

Só que hoje o saudosismo é mais forte em mim e revivo aquele momento exato do primeiro toque.

O beijo no rosto, as mãos dadas pela rua não eram mais que mera formalidade, que tínhamos que cumprir por tantas horas de ensaio, afinal.

Quando pegou minha mão e a tocou intimamente, com suavidade... Sim, foi o que disse mais tarde: foi como se tivesse me tocado. E ainda agora, nem sabendo precisar quando foi, fecho os olhos e consigo sentir sua mão tocando a minha e meu corpo inteiro se sentindo tocado, acariciado, beijado e sinto pulsar dentro de mim, como foi da primeira vez.

E me questiono porque tanto poder sobre mim? Como conseguiu o poder de me fazer gozar com um toque de mãos?

Na vastidão deste mundo e do universo não é possível que seja assim só com você! Encontrarei na minha vida estabelecida e satisfatória o mesmo desejo, o mesmo prazer.

Serei eu a escritora da minha personagem agora e o poder não será seu sobre mim. O poder é meu. 

Engodo, afinal sempre fui eu cedendo à você.



lfg, 10 de jan de 2022.